sexta-feira, 19 abril 2024

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Ilhéus Rombo ou Seco continuam a ceifar vida aos pescadores do Fogo e da Brava

Os ilhéus Rombo ou Seco, composto por cinco ilhéus e vários afloramentos rochosos, localiza-se a oito quilómetros a noroeste da Brava e a 15 quilómetros a oeste do Fogo e constitui “autêntico cemitério” para pescadores da região.

Dada a abundância de peixe tem sido utilizado por mais de uma centena de pescadores da Brava e do Fogo, pese embora os Ilhéus tenham sido classificados como Reserva Natural Integral pelo decreto-lei nº 3/2003, de 24 de Fevereiro.

Assim sendo “a protecção é a totalidade do ecossistema, com todos os seus componentes, assim como a prevenção da ocupação humana alheia a fins científicos ou, eventualmente, educativos”, o que pressupõe que a presença de pessoas implica uma autorização prévia das autoridades ligadas ao ambiente.

A lei classifica como zona de protecção integral aquela cuja finalidade é a preservação integral da zona sem intromissão humana e sem exploração de recursos, devendo o respectivo acesso só ser permitido com fins científicos ou de gestão, sempre de forma controlada, com finalidade educativa específica.

As alíneas g) e i) do artigo 13 do referido diploma estabelecem que “são proibidos, nas Reservas Naturais Integrais, todo o tipo de aproveitamento dos recursos naturais, assim como, a ocupação, abandono de materiais e produtos, e qualquer actividade que altere as condições ecológicas do meio” e que “os visitantes e os demais utilizadores das áreas protegidas estão obrigados a respeitar os respectivos valores naturais e culturais, em nome do interesse geral”.

O artigo 14º estabelece que “os usos compatíveis com a área, podem ser sujeitos a autorização directa da administração da mesma e, em caso de eventuais autorizações ou licenças provenientes de outras administrações sectoriais, estes so submetidos a um parecer obrigatório da administração da área, que tem carácter vinculativo”.

Além de ser uma Reserva Natural Integral, a deslocação dos pescadores aos ilhéus contraria também outras legislações em vigor, nomeadamente a portaria número 31/2001 que estabelece os sítios onde podem operar as embarcações de pesca, salientando que “as embarcações de pesca local com convés abertos dentro da área de jurisdição da repartição marítima do porto de armamento, não podendo afastar-se de cinco milhas da costa do porto de abrigo”.

Assim sendo, as embarcações de pesca do género devem efectuar a pesca no raio de três a cinco milhas e por isso não são permitidas a deslocação das mesmas aos ilhéus.

Apesar disso, a deslocação dos pescadores das duas ilhas é frequente, atravessando o canal em embarcações de boca aberta e de tamanho reduzido.

Um levantamento de situação socioeconómico dos pescadores que operam neste espaço realizado pelo Projecto Vitó dá conta que entre Setembro a Dezembro de 2020 perto de 130 pescadores, sendo 70 da ilha Brava, da Furna e Lomba, e 55 da ilha do Fogo, sobretudo de São Filipe e zona norte da ilha, deslocaram-se aos Ilhéus Rombo ou Seco.

Dada a precariedade das condições das embarcações, aliados à falta de equipamentos, estas viagens à procura do ganha-pão para a sobrevivência das famílias tornam-se “autênticas tragédias”.

Nos últimos anos pelo menos cinco pescadores da ilha do Fogo perderam a vida nesta aventura, sendo dois irmãos que desapareceram no regresso do ilhéu e até hoje não foram encontrados nem os corpos nem a embarcação.

O caso mais recente foi a morte no dia 19 de três pescadores que partiram do porto de Vale dos Cavaleiros rumo ao Ilhéu de Cima, tendo sido recuperado o corpo do único pescador que usava colete (Júlio) e de parte de um corpo, sem os membros inferiores, do membro superior direito e da cabeça, e que foi sepultado sábado, 23, sem que fosse possível a sua identificação, presumindo que seja do Tiago, faltando ainda encontrar o corpo do terceiro pescador.

O Projecto Vitó publicou uma mensagem dedicada aos três pescadores na sua página na rede social, já que os pescadores têm sido um grande aliado do projecto no trabalho de conservação, monitorização e investigação que desenvolvem naquela reserva integral.

Na mensagem, a ONG aponta que além de perdas de vidas regista-se com frequência várias outras situações de embarcações à deriva e sua destruição.

Os responsáveis do Projecto Vitó lembram que os botes de pesca artesanal “praticamente não têm meios de auxílio à navegação, o farol no Ilhéu de Cima, que ajudava na navegação, está há muito tempo avariado e as viagens, muitas vezes, acontecem durante as madrugadas e com o mar agitado”.

“É a quarta fatalidade que acontece no Rombo em menos de um ano envolvendo pescadores. É urgente a elaboração e implementação do plano de gestão desta reserva integral com um enfoque, muito especial, no apoio aos pescadores que diariamente labutam nesta área”, apelam os responsáveis do projecto, para quem é prioritário a criação de meios alternativos a actividade da pesca artesanal e, fundamentalmente, o reforço da segurança das embarcações e dos seus ocupantes.

O canal Fogo/Brava é tida como uma das mais perigosas de Cabo Verde e por isso apelam às autoridades ambientais e marítimas a dedicarem uma especial atenção à situação de risco na Reserva Integral dos Rombos, de modo a evitar situações futuras de mais perdas de vidas humanas.

O director executivo do projecto, Herculano Dinis, aponta como alternativas a melhoria das embarcações, criação de bancos de pescas nas áreas mais próximas com colocação de dispositivos de concentração de pescados, reforço do sistema de navegação, capacitação/formação dos pescadores em navegação e disponibilização de equipamentos, entre outras.

Na sequência da tragédia que vitimou recentemente três pescadores, muitas vozes surgiram a questionar do porquê de o farol do Ilhéu estar inactivo e da razão da não operacionalidade dos barcos oferecidos pela Marinha dos Estados Unidos, tendo a Inforpress apurado junto da fonte ligado ao sector de que o barco da ilha do Fogo está em manutenção e o da Brava aguarda pela colocação de um pequeno equipamento.

Fausto do Rosário disse à Inforpress que “desde 2015 que pouco ou nada aprendemos com a tragédia do navio Vicente”, questionando a razão porque os “portos de Vale dos Cavaleiros (Fogo) e da Furna (Brava) continuam despedidos de recursos e porque os barcos oferecidos pela marinha dos Estados Unidos da América só vão ao mar para certificar óbitos, já que as autoridades do sector não possuem plano para tais situações”.

Para o mesmo, os barcos deveriam estar a fazer patrulhas para evitar a deslocação das embarcações de bocas abertas a este espaço, lembrando que se houver patrulhas regulares e com aplicação de coimas os pescadores acabariam por desistir de se deslocar ao ilhéu, evitando tragédias como esta.

Durante as patrulhas, as autoridades faziam a fiscalização sobre usos de equipamentos, nomeadamente de coletes salva-vidas que, para a mesma fonte, têm de ser obrigatórios para os pescadores, lembrando que todos sabem que entre Novembro/Março o estado do mar é agitado e que há falta de visibilidade.

Trata-se, prosseguiu, de uma questão que deve merecer uma “reflexão profunda” para evitar que “a única acção das autoridades seja confirmar a desgraça” e “passar a responsabilidade a terceiros”, sobretudo os sinistrados, e “endereçar notas de pesar” aos familiares.

Inforpress/Fim

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