sexta-feira, 19 abril 2024

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O MANDUCO DE PEDRO CARDOSO

O Manduco de Pedro Cardoso

O jornal regional da Ilha do Fogo, O Manduco, Órgão defensor dos interesses da Colónia, voltou a circular nestas ilhas, noventa anos depois do seu desaparecimento a 30 de Junho de 1924, agora em edição fac-similada, pelas mãos da livraria de que o seu fundador é patrono, a Livraria Pedro Cardoso.

A reedição d’ O Manduco representa o sacudir do pó do tempo e das brumas do esquecimento acumulados sobre este jornal restituindo um pouco do brilho de uma época rica e importante para o percurso de Cabo Verde.

De A Voz de Cabo Verde a O Manduco

Logo a seguir à proclamação da República Portuguesa, em Março de 1911, surgiu na Praia o jornal A Voz de Cabo Verde, Semanário democrático dedicado aos interesses da província de Cabo Verde, cujo director e proprietário era Abílio Monteiro de Macedo (Fogo, 1886 – 1965) sendo redactor Eugénio Tavares (Brava, 1867 – 1930), que viria a durar até Maio de 1919, publicados que foram 369 números.

Colaborador assíduo de A Voz de Cabo Verde, Pedro Monteiro Cardoso (Fogo, 1883 – 1942) junta-se a José Lopes (São Nicolau, 1872 – 1962) e a Eugénio Tavares, constituindo-se em “o trio mais temível do jornalismo cabo-verdiano”, na feliz expressão do historiador João Nobre de Oliveira (1998). Em Maio de 1911 Pedro Cardoso passa a assinar como Afro uma nova secção do jornal, “A Manduco…”, onde, “sem ódios nem lisonjas, e a bem dos interesses da província [disse] verdades… agridoces”.

Durante três anos (1911-1914), Pedro Cardoso, aliás, “Afro”, das ilhas de S. Nicolau, Boa Vista e S. Vicente zurziu e alimentou polémica sobre os mais diversos assuntos, da arborização, da estiagem e da fome, ao analfabetismo e à instrução pública, passando pelas questões do Nativismo, da Raça Negra e da autonomia da província, sempre em defesa dos interesses dos filhos das ilhas.

Em 1918 Pedro Cardoso é colocado na sua ilha natal como recebedor da Fazenda, cargo que ali exerceu até 1924, e aí funda o jornal O Manduco onde vai ampliar o espírito das suas crónicas d’ A Voz e continuar a bater-se a favor das suas convicções, do progresso da sua ilha do Fogo e da província de Cabo Verde.

O número inaugural de O Manduco sai a 1 de Agosto de 1923. Dois meses depois anunciava no seu número 5 que a propriedade do jornal passava para “um grupo de proprietários amigos” e a direcção seria assumida por Eugénio Tavares, “em todos os tempos o maior jornalista da Província”.

Com quatro páginas em tamanho A3, composto e impresso na Imprensa Nacional de Cabo Verde (Praia), saindo a 15 e 30 de cada mês, O Manduco era vendido pelo preço de $25 (no final o jornal já era a $50), viria a publicar 13 números, sendo o último o 14. Isso explica-se pelo facto de o jornal ter estado suspenso a partir de Fevereiro de 1923, “a fim de efectuar os melhoramentos prometidos”, tendo regressado em Junho com um número especial de oito páginas, o N.º 13.

Os Directores e os Colaboradores

O Manduco, fundado por Pedro Cardoso, um funcionário público, situação não permitida pela lei vigente na altura, passa a ser dirigido, a partir do seu número 6, de 15 de Novembro, por Eugénio Tavares, um ex-funcionário, e administrado por elementos da elite local passando a figurar como proprietários e editores.

O Manduco tem um forte pendor literário, com uma “Secção Literária”, ou não fossem os seus directores poetas, e volta a juntar nas suas páginas o trio que desde os inícios do século vinha enobrecendo o jornalismo e as letras cabo-verdianas – Eugénio Tavares, José Lopes e Pedro Cardoso. De destacar que todos os nomes sonantes das letras cabo-verdianas da época passaram por este jornal, tendo sido a maior parte deles colaboradores assíduos.

Análise dos Conteúdos

Basta a memória das crónicas do “A Manduco…”, em boa hora reunidas em texto, para se inferir dos objectivos ou do programa do novo jornal, como era da praxe indicar no primeiro número. O nome escolhido já era, por si, o seu programa.

O jornal aponta como erro a afirmação que a “Ilha do Fogo nunca se submeteu ao jugo castelhano, pôsto que haja êste pesado 60 anos sobre a Mãe Pátria” (O Manduco, N.º 2); faz a defesa do crioulo refutando a ideia de que “o crioulo é um elemento impediente do desenvolvimento provincial” (O Manduco, N.º 3); aborda os problemas da imprensa cabo-verdiana procurando apresentar soluções (O Manduco, N.º 6); aborda o tema proibido da fome, que grassava desde 1920, analisando os seus efeitos na economia do arquipélago (O Manduco, N.º 7), entre muitos outros temas, terminando com uma carta do Senador Vera-Cruz respondendo a várias questões que o jornal lhe colocara.

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NOTAS:

  • João Nobre de Oliveira. A Imprensa Cabo-verdiana (1820-1975), Macau, 1998.
  • Jornal A Voz de Cabo Verde (Propriedade de Abílio Monteiro de Macedo), Praia, 1911-1919.
  • Pedro Cardoso. Textos Jornalísticos e Literários, Parte I, organização de Manuel Brito-Semedo e Joaquim Morais, Praia, 2008.

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